o que uma pessoa faz por amor...
O meu pai tem como hobbie comprar peças de carros e aviões.
Monta-las. E experimentar se funcionam. Normalmente sim.
Não são carros nem aviões a sério, são miniaturas.
Andam e voam.
Parecem brinquedos de crianças mas não se pode dizer isto à frente do meu pai que ele fica furioso. Tal e qual como quando o Sporting não ganha.
O meu pai tem um grupo qualquer, diz que são pessoas verdadeiras que fazem corridas com os carrinhos.
A minha mãe como mulher normal que é, afastou o meu pai e o seu hobbie de casa.
E obrigou-o a criar uma assoalhada só para ele no fundo do quintal.
A Internet e as compras online mudaram a vida do meu pai.
Antes comprava as suas miniaturas quando ia de viagem a países mais expeditos.
Ou, encomendava em lojas que faziam a encomenda a lojas estrangeiras.
Às vezes demorava mais de um ano a chegar a peça que o meu pai tinha pedido.
Agora não! Uma semana, às vezes menos. E lá vem a peça.
Para desgosto do meu pai o meu irmão não dá um tostão furado por este hobbie.
O meu cunhado também não.
E os netos, parece-me que seguem os pais.
Até que a filha mais nova do meu pai. Tratou do assunto.
Um dia foi ao médico. E apaixonou-se por ele. E isso mudou tudo!
Às vezes desconfio que o Pedro só casou comigo porque conheceu o meu pai e a sua oficina.
Quando entrou pela primeira vez lá quase teve uma apoplexia.
Saiu de casa dos meus pais a dizer.
- Sempre quis ter algo parecido mas passei a minha vida a estudar e sem tempo para estas coisas.
Quando vou a casa dos meus pais com ele é certo e sabido que o homem entra pela oficina adentro e esquece-se do tempo tal como o meu pai.
Saiu um novo modelo. Lá das miniaturas. E...
...o meu pai encomendou logo. Mas...
....foi passar uns dias ao Algarve com a minha mãe. Agora que a Alice já vai uns dias para o infantário os meus pais têm outra vez liberdade.
Preocupação do meu pai.
- As miniaturas! E eu não estou em casa!! Para onde vão?
- Ficam nos correios e quando chegarmos vais lá buscar.
Disse-lhe a minha mãe.
- E se passa o prazo e são devolvidas.
- Pagas outra vez os portes. E eles enviam outra vez.
Mais uma vez a minha mãe.
- E se se perdem no caminho?
- Vamos para o Algarve e pronto!
Disse a minha mãe. E é assim que uma mulher termina uma conversa. Nem mais um pio! E pronto!
O Pedro, esse grande querido, prontificou-se para receber a encomenda.
- Envie um email e dê-lhe a nossa morada. Pode ser que ainda vá a tempo.
O meu pai achou esta ideia, a melhor ideia de todos os tempos.
Se o meu pai pertencesse ao comité que atribui os prémios Nobel tinha-o entregue ao Pedro sem passar por qualquer dos filhos.
Uma vergonha, portanto!
Ainda disse ao Pedro.
- Quando a encomenda chegar, abre para ver se não falta nada. E se tiveres tempo monta-a para ver se está tudo ok.
O meu pai gosta do processo todo mas parece-me que só se dá ao trabalho de juntar peça por peça para ver a engenhoca a funcionar.
Chegou ontem a encomenda.
Fui eu que a recebi.
Coloquei-a em cima de um móvel que temos na entrada de casa e nunca mais me lembrei.
O Pedro chegou já pelas 18h.
Despachámos a Alice.
Jantámos nós.
Estivemos na sala um bocado. Tínhamos intenção de ver um filme mas perdemos-nos a falar.
Assim, chegou a hora de irmos dormir.
E os olhos do homem foram direitinhos à encomenda.
Quando lhe disse que já me tinha esquecido de semelhante coisa. O homem olhou para mim com um olhar de perplexidade misturado de:
- Eu não te entendo mulher!
Dormimos. O Vasco acordou-me. 5h30.....
...deixei-me estar na cama. Quando a Alice acordasse logo me fazia à vida.
Mas...
...percebi que o homem não estava na cama.
Fui dar com ele de volta da miniatura.
Pelo que percebi o homem não faz só noites no hospital.
Por volta das 7 horas da manhã tinha terminado a obra prima.
Era tipo um jipe.
Mandou uma mensagem ao meu pai com uma foto.
O meu pai respondeu de volta com:
- Que maravilha!
A Alice acordou. Tomámos todos o pequeno almoço e diz o Pedro.
- Olha lá e se fossemos aqui ao lado com o carrinho?
- ?
- Sim, Joana. Íamos com o carrinho para o experimentar no alcatrão e podíamos filmar e eu enviava o vídeo ao teu pai.
- Não podes ir só tu?
- Tens de ir. Como é que queres que eu comande o carro e filme ao mesmo tempo? Não dá!
7h30.
Sai de casa Joana, grávida de oito meses. Pedro. E Alice. O Vasco não quis. A Gabriela muito menos!
Fazia frio.
Estava chuvoso.
Lá saímos nós para a rua paralela à nossa, uma rua sem saída rodeada de prédios. O Pedro escolheu este local porque praticamente não tem trânsito.
Se bem que às 7h30 de um sábado de janeiro. Muitos sítios não têm trânsito...TIPO! A minha casa!
O Pedro levava a miniatura aconchegada dentro do casaco. Antes que apanhasse frio e assim...
Pôs a miniatura no chão.
E começou a experimentar.
A Alice não achou graça nenhuma. E começou a choramingar.
O homem a telecomandar o carrinho.
A grávida de oito meses com uma criança ao colo e o homem a dizer:
- Vê lá se consegues filmar?
O homem a telecomandar o carrinho.
A grávida de oito meses com uma criança ao colo e com o telemóvel a filmar o carrinho e o homem a dizer:
- Consegues apanhar tudo?
O homem a telecomandar o carrinho.
A grávida de oito meses com uma criança ao colo e com o telemóvel a filmar. E pessoas atraídas pelo barulho do carrinho a espreitar pela janela. E o homem a dizer:
- Cuidado! Não cortes a imagem!
O homem a telecomandar o carrinho.
A grávida de oito meses com uma criança ao colo, com o telemóvel a filmar e começou a chover.
O homem apanhou o carrinho. E arrumou-o dentro do casaco. E disse:
- Que chatice! Esqueci-me do guarda-chuva! Não sei se dá para o teu pai se aperceber das potencialidades todas desta maravilha!
Sim porque.
O homem a telecomandar o carrinho.
A grávida de oito meses com uma criança ao colo, com o telemóvel a filmar e com um chapéu de chuva na mão....e um convite para fazer malabarismos no Cirque du Soleil.
Só para saberem o vídeo ficou impecável!
Há dois anos no Quiosque!
Há um ano no Quiosque!
Já seguem o Quiosque?