Quem é?
somos nós...
Os meus avós paternos viviam entre Lisboa e o Alentejo.
Com o passar dos anos adoptaram o Alentejo como casa. E era raro saírem de lá.
Viviam no monte.
À entrada do monte estava um portão grande. Do lado direito do portão estava o Santo António.
A minha avó não era muito dada à religião mas tinha o Santo António em muito boa conta.
Não era um Santo António comum. Tinha um segredo.
Atrás dele. Havia um buraco. E dentro desse buraco estavam as chaves do monte. E da casa.
Nunca ninguém ficava na rua.
Bons tempos.
Aqueles.
Em que deixávamos as chaves ao Deus dará.
Só mesmo a protecção de Santo António para explicar o nunca termos sido assaltados.
- Joana! Onde é que estão as chaves do monte?
Perguntava-me o meu pai. Naquele tempo nada era escondido das criancinhas.
- Estão no rabo do Santo António.
Esta descrição. Pegou. E ainda hoje gozam com a minha pessoa....
Um dia ligaram aos meus pais e disseram com grande entusiasmo:
- Já temos campainha.
E quando voltámos ao monte. O meu pai já não teve de pôr as mãos nas entranhas do Santo António para tirar as chaves. Tocámos à campainha.
Ouvi a voz da minha avó.
- Quem é?!
Sabia que éramos nós. Estava à nossa espera.
Um "quem é".
Carinhoso.
Melódico. Ternurento.
Meio falado. Meio cantado.
Um "quem é" como quem quer dizer:
- Que bom que já chegaram...
Respondi alto e feliz da vida.
- Somos nós.
O meu irmão fartou-se de gozar comigo.
- Somos nós? Tens de dizer o teu nome...a avó sabe lá quem é o somos nós!
- A avó conhece a voz..
O meu irmão revirou os olhos como quem diz...
- És tão parva...não tenho paciência nenhuma.
Eu teimosa que nem uma mula teimosa não descansei até que a minha avó confirmasse que não precisava nada de nomes. O somos nós era mais do que suficiente...
Hoje.
O Pedro está de folga.
Fomos almoçar a casa dos meus pais.
Tocámos à campainha. Ouvi a voz do meu pai.
- Quem é?
Um "quem é".
Carinhoso.
Melódico. Ternurento.
Meio falado. Meio cantado.
Um "quem é" como quem quer dizer:
- Que bom que já chegaram...
O Pedro respondeu:
- Somos nós!
E a Alice disse, aos saltinhos.
- O avôoooo....parece que está a cantar...
São estes pequenos sinais.
Que a vida me dá.
Que me faz ter a certeza que fiz as escolhas certas.
O Santo António ainda lá está.
No mesmo lugar. Do lado direito do portão.
Dentro das entranhas. Está uma foto da minha familia.
São eles a chave da minha vida.
Do meu coração.
Este Quiosque tem tido as portas fechadas.
Falta de tempo. Sobretudo falta de tempo.
Histórias e historietas não faltam.
Novidades também não.
Falta tempo. E mais tempo.
Para não fechar totalmente, publico um texto nos dias 30.
Hoje é dia 30!
Agradeço a quem tem passado por aqui.
A quem me enviou mensagens a perguntar se estamos bem.
Agradeço. Agradeço. E volto a agradecer.
Também vocês. Estão no meu coração.